O governo Bolsonaro elegeu a ciência e a
educação públicas como inimigas preferenciais em sua cruzada contra o
conhecimento. Conheça os projetos que visam privatizar as universidades e os institutos
federais e entenda por que o ANDES SINDICATO NACIONAL está em ESTADO DE GREVE.
A proposta de Jair Bolsonaro para as universidades
e institutos federais passou pela construção inicial de um discurso de ódio que
buscou incentivar o desprezo ao conhecimento, à cultura e à ciência, em uma
verdadeira cruzada em prol do fanatismo e da intolerância.
O objetivo central do discurso anti-educação e
anti-ciência, que colocava as instituições federais de ensino como espaços de
“balbúrdia” ou de “produção extensiva de maconha e metanfetamina”, foi servir
como cortina de fumaça para esconder da sociedade a real intenção do governo: censurar
o pensamento crítico, intimidando docentes e estudantes; fomentar o caos
administrativo e paralisar a pesquisa a partir do corte de verbas; destruir a
autonomia e implantar a intervenção na escolha de dirigentes e, por fim,
privatizar as universidades e os institutos federais.
Para avaliar a proposta privatizante de Bolsonaro
para educação federal é fundamental conhecer o “FUTURE-SE” e o “NOVOS
CAMINHOS”, projetos que buscam derrocar a função social e o esforço
inclusivo das universidades e dos institutos federais, para subordiná-los
exclusivamente aos interesses do mercado.
"FUTURE-SE" - A PRIVATIZAÇÃO E A MORDAÇA NAS UNIVERSIDADES
Lançado em 17 de julho pelo MEC, em um show com muita pirotecnia e gelo seco, o “FUTURE-SE” trouxe um pacote de medidas com objetivo de privatizar e restringir o potencial de pesquisa e de extensão nas universidades federais, tornando-as meras prestadoras de serviços às empresas e ao mercado.
O governo afirmava que iria garantir a
“autonomia financeira” das universidades federais através da captação de
recursos junto ao setor privado, via fundos de investimento, parcerias
público-privadas e através da privatização do patrimônio imobiliário das
próprias instituições.
A versão recente da proposta foi publicada no
Diário Oficial da União (DOU) de 3 de janeiro de 2020 (veja aqui), como parte da consulta pública
antes de iniciar sua tramitação no Congresso Nacional, e traz a possibilidade
tanto de Organizações Sociais quando de Fundações de Apoio como caminhos para
viabilizar a gestão privada nas universidades. O projeto abre a possibilidade
de contratação de pessoal de forma direta, sem realização de concurso
público, à revelia da Constituição Federal e do Regime Jurídico Único dos
Servidores Federais.
A presidenta da ADUFPEL,
Seção Sindical do ANDES-SN que representa os docentes da Universidade Federal
de Pelotas e do IFSul Campus Visconde da Graça, Profª Celeste Pereira, revelou
preocupação quando do lançamento do FUTURE-SE: "é um projeto construído
sem a participação da comunidade interessada, de forma absolutamente aligeirada
e, na nossa compreensão, aligeirada propositalmente porque é um texto muito
sintético, mal construído, inclusive, e que abre espaço para várias questões
serem embutidas”. Em relação à intervenção da iniciativa privada nas
universidades, Celeste destacou que "o Estado se exime, ele tenta se
retirar do papel que é garantido pela Constituição Federal, que foi muita cara,
foi fruto de muita luta. Não é a melhor Constituição da face da Terra, não é
mesmo, mas é onde a gente conseguiu estabelecer os princípios da Seguridade
Social e aquilo que seria fundamental, como direito dos cidadãos e dever do
Estado. Saúde, educação e segurança". Cabe registrar que o Conselho
Universitário da UFPel rejeitou o Programa FUTURE-SE em 19 de setembro.
Na Universidade Federal de Santa Maria, as críticas
também apontam para os riscos da entrega da gestão das universidades para
entidades externas. O Reitor da UFSM, Prof. Paulo Burmann, logo após a
divulgação do texto para consulta pública em 03 de janeiro, afirmou que o
projeto FUTURE-SE é uma "ingerência perigosa na autonomia das
universidades" (veja aqui). Para o Prof. João Gilli
Martins, vice-presidente da SEDUFSM,
Seção Sindical do ANDES-SN que representa os docentes da UFSM, "tanto a
primeira minuta do FUTURE-SE como as versões que a sucederam têm que ser
analisadas na sua totalidade e, ao fazê-lo, é possível fazer aparecer a
essência de cada uma delas: a privatização das Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES) e dos Institutos Federais (IF) no Brasil. A adesão a esse
projeto – ou a qualquer outro elaborado a partir dessas minutas – vai promover,
na realidade, a exclusão da classe trabalhadora e da população pobre do campo e
da cidade ao acesso à educação superior em nosso país que, hoje, representam
dois terços dos alunos e alunos dessas instituições de ensino". Para o
Prof. Gilli "é imprescindível retomar o caminho das lutas para rejeitar
esse projeto, esclarecendo a comunidade universitária e, em geral, a população
que a adesão ao FUTURE-SE, seja sob qual versão ele se materialize, decreta o
fim da universidade pública, gratuita, autônoma, laica, de qualidade e
socialmente referenciada em nosso país".
A Profª Rúbia Vogt, presidenta da Seção do ANDES-SN na UFRGS, também criticou a
falta de diálogo do governo: "em pouco mais de seis meses, esta é a
terceira tentativa do governo de aprovar o Programa FUTURE-SE. Assim como a
primeira versão foi apresentada no período do recesso, esta também é
apresentada em um período em que a comunidade acadêmica, tradicionalmente, está
em férias. Contam com nossa ausência, mas, assim como da primeira vez, irão se
surpreender com a luta contra este Projeto de Lei. Esta versão, assim como as
demais, é apresentada sem qualquer diálogo com a comunidade acadêmica e ataca
frontalmente a autonomia universitária - a qual está assegurada na constituição
- ao repassar para Organizações Sociais a gestão das universidades".
Ouça, ainda, a opinião do Prof. Carlos Alberto Saraiva Gonçalves (CA), diretor
da Seção do ANDES-SN na UFRGS, através do Podcast VOZ DOCENTE (ouça
aqui).
O presidente da SESUNIPAMPA,
Seção Sindical do ANDES-SN na Universidade Federal do Pampa, Prof. Cesar Beras,
disse que: "Para nós docentes e comunidade universitária da UNIPAMPA o
“Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores - Future-se”,
pelo próprio nome já significa um retrocesso na luta e afirmação da
Universidade Pública, Gratuita, Laica e de Qualidade duramente instituídos na
constituição federal de 1988 e na LDB. De forma simultânea repassa a questão do
financiamento da educação para as universidades, transformando-as em unidade de
negócios e acabando paulatinamente com a função do servidor público. Em
assembleia da categoria reprovamos tal iniciativa, assim como a Universidade
através de seu conselho universitário também a rejeitou. A sua representação
não traz nenhuma novidade no conteúdo de forma significativa e busca confundir
e seduzir a categoria ofertando a possibilidade de envio de sugestões até 24 de
janeiro, ou seja, em pleno período de férias docentes. Por isso reafirmamos
nossa posição contraria a partir de nota pública emitida dia 08 de janeiro.
Contra qualquer iniciativa que transforme a educação em mercadoria".
Em nota a diretoria da APROFURG,
Seção Sindical do ANDES-SN que representa os docentes da FURG e do IFRS Campus
Rio Grande, disse que: "A nova proposta do programa FUTURE-SE,
publicada para consulta pública no dia 03 de janeiro, não apresentou mudança
significativa em relação à proposta anterior. A principal mudança foi a
inclusão das fundações universitárias, além das OS, como gestoras orçamentárias
deste novo sistema de financiamento das instituições públicas. Tal mudança vem
no sentido de facilitar a aprovação deste novo programa junto às IES, pois abre
a possibilidade de haver pressão por parte das fundações junto à comunidade
acadêmica. Assim, no restante da proposta, se mantém a intenção de retirar a
autonomia universitária das ações de ensino, pesquisa e extensão, entregando a
gestão financeira dos recursos orçamentários das instituições federais de
ensino e seu patrimônio ao mercado, comprometendo a educação de caráter laico, de
qualidade e socialmente referenciados".
Todas as universidades federais gaúchas rejeitaram
o FUTURE-SE a partir de deliberações dos respectivos Conselhos Universitários.
"NOVOS CAMINHOS" - O FIM DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL
Chamado de “NOVOS CAMINHOS”
(veja aqui),
o projeto de privatização do ensino técnico e tecnológico, foi lançado em 08 de
novembro pelo MEC, com a intenção de atingir toda a Rede Federal de Educação Profissional
e Tecnológica.
O eixo central da proposta visa construir “parcerias
da Rede Federal com o Sistema S”, com propósito de “disseminar a cultura
do empreendedorismo” e alavancar o desenvolvimento de “pesquisas
aplicadas que atendam as reais demandas do setor produtivo”.
O projeto se propõe a garantir “atualização
pedagógica” para os professores da rede, que “terão aulas sobre
empreendedorismo e orientação vocacional”. Ou seja, os docentes dos
institutos federais poderão, enfim, conhecer sua “real vocação”. O MEC prevê,
ainda, “reconhecer mais de 11 mil diplomas” de pessoas que concluíram a
formação técnica na rede privada de ensino desde 2016, mas não tinham chancela
“por falta de ordenamento jurídico”. Uma espécie de “trem da alegria”
para cursos de baixa qualidade.
Para o presidente do SINDOIF, Seção Sindical do ANDES-SN no IFRS,
Prof. André Martins, "a proposta do “NOVOS CAMINHOS” traz a clara
intenção de acabar com o ensino médio integrado e o proeja, referências de
qualidade da Rede Federal de Educação Profissional, para dar lugar a proposta
neoliberal dos 'caminhos formativos', conforme previsto na reforma do ensino
médio do golpista Michel Temer". Para André, o governo Bolsonaro
já possui um programa que visa aproximar os institutos federais da lógica do
comércio do conhecimento, o SUPERTEC
(veja aqui): "É um programa coordenado
pelo Ministério da Economia, de Paulo Guedes, e funciona como um 'supermercado
da educação', onde o empresário vai em uma 'gôndula virtual' e compra a
mercadoria que lhe interessa", disse André.
ESTADO DE GREVE CONTRA O DESMANCHE DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE
ENSINO
O Governo Bolsonaro primeiro retirou recursos, sob
o pretexto do contingenciamento, aprofundando ainda mais a crise e o
sucateamento nas universidades e institutos federais.
Para o orçamento de 2020, o governo propôs a
segmentação em ‘contas’ distintas da verba destinada para cada instituição
federal: uma conta com cerca de 60% da previsão orçamentária e a outra com o
restante. A ideia é liberar apenas uma delas, para não ter o ônus político de
contingenciar, como ocorreu em 2019. A segunda parcela só será liberada caso “a
arrecadação tributária permita". O governo, no entanto, não pretende
deixar de pagar o serviço da dívida se "não houver arrecadação
suficiente”. O "gatilho da arrecadação" valerá apenas para a educação
e para a ciência. Para que o "inimigo" saiba com quem está lidando.
O “FUTURE-SE” e o “NOVOS CAMINHOS” são projetos
voltados aos interesses do Capital e baseados no empreendedorismo e na inovação
sob perspectiva produtivista. Ambos objetivam utilizar a infraestrutura e os
recursos humanos das instituições federais de ensino para atender
exclusivamente aos interesses empresariais.
Os gestores privados terão amplos poderes, inclusive
com ingerência pedagógica no currículo de cursos de modo a garantir a
“melhor eficácia” das parcerias estabelecidas com a iniciativa privada. Neste
ponto entra a grande cruzada do governo Bolsonaro: junto com a privatização virá
a censura ao pensamento crítico na educação pública. A cultura da
“mordaça” sendo aplicada não por uma Lei ou por uma regra externa, como
defendem muitos aliados do atual governo, mas por ações internas às
universidades e aos institutos federais, executadas como política de gestão.
Por isso o ANDES
SINDICATO NACIONAL e suas Seções Sindicais em todo país começam 2020
em ESTADO DE GREVE. Para lutar contra
qualquer possibilidade de privatização que possa levar ao fechamento de
cursos ou a cobrança de mensalidades nas instituições públicas de
ensino.
Para garantir que as instituições federais de
ensino possam continuar levando educação pública, gratuita, laica, de
qualidade e socialmente referenciada para todas as regiões do país, em especial
para as localidades mais distantes dos grandes centros urbanos e para as
comunidades mais vulneráveis.
Se você é professor ou professora federal, procure
a Seção Sindical do ANDES-SN em sua instituição e venha lutar conosco!
Este texto foi elaborado pelo SINDOIF e os cards
foram produzidos pela ADUFPEL, como parte do trabalho de comunicação em rede
das Seções Sindicais gaúchas do ANDES-SN.
A charge sobre o "FUTURE-SE" foi
gentilmente cedida pelo cartunista Alisson para uso pelo SINDOIF e compunha a
exposição "Independência em Risco", que foi censurada (e cancelada)
pela Presidência da Câmara Municipal de Porto Alegre em 2019.
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