segunda-feira, 14 de junho de 2021

Retorno às aulas para quem? O corte orçamentário e a evasão discente deixam dúvidas sobre um ano letivo de qualidade para a comunidade acadêmica da Unipampa

 



Nesta segunda-feira (14), a Universidade Federal do Pampa retornou às aulas remotas para o início do primeiro semestre do ano letivo de 2021. Por consequência dos cortes orçamentários feitos pelo Governo Federal, este é o terceiro ano consecutivo de diminuição de verbas para a manutenção das Instituições de Ensino Superior. Discentes do Movimento dos Estudantes por Vida Digna têm questionado a Reitoria da Unipampa a respeito da assistência estudantil, mas até então não obtiveram resposta. A Seção Sindical dos Docentes da Unipampa (Sesunipampa) reitera a importância de garantir infraestrutura necessária para que estudantes possam acompanhar as aulas, assim como uma denúncia pública da Reitoria a respeito dos cortes na educação feitos pelo Governo Federal.

 Desde o início da pandemia de Covid-19 medidas sanitárias tiveram que ser tomadas. Uma delas foi a aposta nas atividades remotas, tanto de trabalho, quanto de estudo. Desde então, docentes e discentes das centenas de instituições espalhadas pelo Brasil têm buscado construir maneiras viáveis de manutenção das atividades escolares. Contudo, cortes orçamentários feitos pelo Ministério da Educação gradativamente têm acentuado uma crise que, além de ser responsável por milhões de desempregados e desempregadas, não permite assistência estudantil de qualidade para permanência dos e das estudantes nos seus cursos.

            A Lei Orçamentário Anual (LOA) de 2021, sancionada pelo Governo Federal, sofreu um corte de R$2,7 bilhões com um impacto de R$1 bilhão nas contas das universidades federais. Com isso, um cenário devastador e de muita indignação assola quase metade das 69 universidades, que temem fechar as suas portas no mês de setembro, por não ter orçamento para concluírem as atividades do ano de 2021. A Unipampa teve uma redução de 24,27% em relação a 2019 no seu orçamento de custeio/manutenção, e em relação ao investimento/capital uma redução de 86,73% em relação ao mesmo ano. Já a Assistência Estudantil da Unipampa teve uma redução de 22,91% em relação a 2019. Em termos práticos, isso significa evasão discente por falta de alimentação e moradia, para citar apenas dois exemplos.

            Para Aniara Ribeiro Machado, coordenadora do curso Educação do Campo – Licenciatura com ênfase em Ciências da Natureza, que funciona em regime de alternância, a falta de condições sanitárias para aulas presenciais acarreta inevitavelmente nas atividades remotas para a segurança da comunidade universitária. No entanto, preocupa-se com a “falta de condições para o ensino remoto, pois muitos discentes não possuem um celular com boa memória de armazenamento, quem dirá um computador/notebook”. Para isso, Aniara acredita ser importante a “busca por recurso público junto ao Ministério da Educação”. Segundo a coordenadora, “a pandemia acentuou algo que já se via, que é a busca por condições de permanência da Universidade”.

            De acordo com a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC), não há nenhum levantamento qualitativo a respeito da perda de benefícios de assistência estudantil por consequência dos cortes orçamentários dos últimos anos. A fim de buscar sanar as problemáticas no âmbito discente, foi criada uma Comissão Institucional de Combate a Evasão e Retenção, em dezembro de 2020, cujos objetivos específicos contemplam, dentre outros, a produção de “informações/dados que subsidiem as ações relacionadas às temáticas evasão e retenção”, a garantia de “realização de ações permanentes que visem à diminuição da evasão e retenção”, além de “envolver e comprometer toda a comunidade acadêmica nas temáticas evasão e retenção”[1]. No entanto, estudantes da Unipampa afirmam não haver diálogo efetivo nem com a PRAEC, nem com a Reitoria. Ainda em retorno à assessoria da Sesunipampa, a PRAEC afirmou que a universidade não tem suporte financeiro suficiente nesse momento para a retomada dos serviços dos RUs.

            O aumento da fome assolou o Brasil já no início deste ano. Há falta de subsídios para a população de maneira geral que recebe um auxílio emergencial entre R$375 e R$150 bastante distante do custo de uma cesta básica que, segundo o DIEESE[2], em março de 2021, na cidade de Porto Alegre o valor é em média R$600. Além disso, a taxa de desemprego é a mais alta desde 2021, com mais de 14 milhões de pessoas sem emprego. Dada toda essa realidade, a falta de assistência estudantil acentua as dificuldades enfrentadas pelas famílias brasileiras.

            Segundo a estudante do curso de Ciência da Natureza - Licenciatura, Beatriz Sales da Silva, “muitos estudantes tiveram que trancar a matrícula. Os alunos que continuaram a estudar de maneira remota apresentam algumas dificuldades de aprendizado, outros possuem dificuldades por causa da vulnerabilidade socioeconômica, ou não tem material digital ou não tem internet”. A estudante alerta que os “cortes contribuíram diretamente na evasão”. Beatriz veio do Rio de Janeiro para Dom Pedrito e afirma que sem o auxílio que recebe, não teria como manter sua matrícula. Além disso, preocupa-se com o andamento das pesquisas “que também são prejudicadas pela falta de recursos”.

            O Movimento dos Estudantes por Assistência Estudantil Digna foi criado ainda no mês de junho deste ano e já possui cerca de 30 estudantes em sua composição, entre veteranos e ingressantes. Um dos participantes do movimento, Gabriel Solimeno, do curso de Licenciatura em História, afirma que o maior problema enfrentado pelos estudantes hoje está relacionado à falta de acesso à alimentação e lembra que outras universidades federais substituíram o RU presencial pela entrega de marmitas. Para o estudante, “a infraestrutura na Assistência Estudantil nesse contexto deveria ser o objetivo central das medidas que a Reitoria deveria estar tomando, para, justamente, proteger os que estão mais vulneráveis. Mas o que tem acontecido é muito diferente. Alinhado com o Governo Federal, o que a reitoria tem feito é ser conivente com os cortes que o Governo Federal faz, ela não tem a capacidade de denunciá-los”. Além disso, para suprir a falta do RU, a Reitoria da Unipampa oferece um auxílio de R$200 que, segundo Gabriel, é insuficiente.

            Outro integrante do Movimento, Yuri Andrews, do curso de Pedagogia - Campus Jaguarão, diz que os estudantes estão se organizando para debater diversas demandas estudantis, principalmente “na política de assistência estudantil, como alimentação, moradia, auxílio permanência, sobre os cortes do PNAES, que vêm impactando diretamente o cotidiano dos estudantes da Unipampa”. Demonstrando os dilemas que os estudantes têm vivido, Luciano Marques, do curso de Produção e Política Cultural, relata algumas situações de evasão como, “um aluno indígena que não conseguiu ter o acesso devido aos conteúdos, além de pessoas que não conseguiriam concluir a graduação por questão de saúde mental, uma pauta que a universidade nunca respaldou”.

Em nota, o MEC afirmou que “durante a tramitação da PLOA 2021, em atenção à necessidade de observância ao Teto dos Gastos, houve novo ajuste pelo Congresso Nacional, bem como posteriores vetos nas dotações”. Para o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), “a aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2016, representou um duro golpe no formato conquistado na Carta de 1988. A referida emenda, sem revogar os artigos 212 e 198, que garantem vinculação de recursos de impostos para educação e saúde, congelou os gastos públicos por 20 anos, excetuando justamente o recurso alocado para honrar os compromissos com os credores de nossa dívida pública. É um mecanismo poderoso de transferência de renda dos mais pobres, beneficiados pelas políticas sociais, para os mais ricos, detentores dos títulos de nossa dívida”[3]. O ANDES-SN enfatiza ser fundamental a revogação da EC 95/2016, do Teto dos Gastos, e a luta por um orçamento público estruturado para a educação, desatrelado da perspectiva dos balcões de negócios políticos das emendas parlamentares.

Para Jefferson Marçal, professor do Campus São Gabriel e Vice-Presidente da Sesunipampa, a Reitoria precisa ter mais transparência a respeito das condições da Unipampa para os e as discentes já neste retorno. Para o professor, não se sabe ao certo os recursos que serão ofertados para assistência estudantil a fim de manter a permanência. “Ainda está muito nebulosa a questão do orçamento para este ano e não sabemos se vamos ter como ofertar a educação de qualidade ou minimamente de qualidade que se quer na universidade”, complementa. Ainda segundo Jefferson, só há uma certeza, "de que só a luta mudará esta conjuntura. Para isso, é fundamental que a comunidade da Unipampa se mobilize contra os cortes orçamentários e por políticas de assistência estudantil que garantam a permanência de nossos e nossas estudantes".

A assessoria do Sindicato tentou contato com a Reitoria mais de uma vez, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno.

 

           



[1] Unipampa. RESOLUÇÃO CONSUNI/UNIPAMPA Nº 300, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2020. Disponível em: https://sites.unipampa.edu.br/consuni/files/2020/12/res--300_2020-resolucao-retencao-e-evasao.pdf

[2] DIEESE. Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos Março de 2021. Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2021/202103cestabasica.pdf

[3] ANDES. Nota da Diretoria Nacional do ANDES-SN: orçamento de 2021 sufoca ainda mais as Universidades, IFES e CEFETS. Disponível em: https://www.andes.org.br/conteudos/nota/nOTA-dA-dIRETORIA-nACIONAL-dO-aNDES-sN-oRCAMENTO-dE-2021-sUFOCA-aINDA-mAIS-aS-uNIVERSIDADES0

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