terça-feira, 28 de julho de 2020

Ensino remoto: a alternativa diante da pandemia da COVID-19 e seus impactos na comunidade acadêmica.



Em meio à pandemia do coronavírus e a proposta de ensino remoto na universidade pública, a SESUNIPAMPA pensa os impactos da alternativa apresentada em uma realidade acadêmica que não permite acesso a todos os discentes ou garantia de direitos trabalhistas aos docentes. Conversamos com a professora Marina Barbosa Pinto, presidente da APESJF SSIND sobre educação e alternativas possíveis em um momento pandêmico.

      A polarização do debate sobre voltar ou não voltar às aulas na UNIPAMPA tem tomado grandes proporções no âmbito acadêmico. Assunto de interesse de todos e todas, as discussões sobre ensino remoto e a forma de implantação por parte da reitoria são as principais questões levantadas.
   A preocupação se refere as garantias de acesso aos discentes e as condições trabalhistas dos docentes, por exemplo, todos os docentes possuem em sua residência infraestrutura para o trabalho remoto? todos e todas querem um retorno das atividades acadêmicas, mas que elas não sejam excludentes, segregatórias, autoritárias e sem considerar as condições de trabalho da categoria docente.
      A UNIPAMPA possui uma comunidade acadêmica variada, e por ser multicampi, precisa compreender as distintas realidades e proporções. A vulnerabilidade social por parte dos estudantes apresenta índices elevados, mesmo contando com a disponibilidade do auxilio permanência.
      O retorno das atividades precisa ser pensado e construído coletivamente, encontrando soluções e alternativas que não causem danos a comunidade acadêmica e que contemple os critérios de educação pública ao qual os discentes fizeram suas matrículas e ao qual os docentes prestam seus serviços.

Pensando o ensino remoto
           
      Pensar o ensino remoto não é uma tarefa simplória, e atrelado ao contexto pandêmico que estamos inseridos, se torna ainda mais delicado. É preciso entender este processo a partir de duas perspectivas (docente e discente) e considerar as condições reais da comunidade acadêmica.
     Enquanto categoria docente seria inocência não pensar as questões trabalhistas que estarão envoltas nesta problemática. Todos os docentes possuem em sua residência infraestrutura para o trabalho remoto? Isto é, internet de qualidade, espaço próprio para o desenvolvimento do trabalho, sem interferência dos demais familiares que ali residem? Estas questões precisam ser levantadas, pois permitir que o trabalho adentre o ambiente que seria de descanso, relaxamento e acima de tudo o espaço particular de cada sujeito, que interfere diretamente na qualidade de vida e saúde psíquica.
      Considerar também, que as aulas online são um risco a categoria é necessário. O uso indevido da imagem dos docentes não foi discutido com a base, onde nenhuma garantia de que as aulas não serão gravadas ou utilizadas de maneira posterior a pandemia foram garantidas. Sabendo que muitos serão excluídos na atual proposta de calendário, não é possível saber se as mesmas aulas não serão utilizadas para suprir as lacunas deixadas devido ao atropelo do processo e a displicência para com os que não terão o privilégio de ter acesso a educação dentro dessas condições.

Alguns argumentos utilizados para afirmar uma proposta excludente:

“A imagem que a sociedade tem da Universidade e do professor”
Considerando que a leitura que a sociedade faz tanto do professor quanto da universidade, é oriunda do senso comum e de uma sociedade que mesmo possuindo acesso a educação, não possui acesso a educação popular e de massas, a cultura e ao lazer de maneira democrática, não será este momento, e também não será esta proposta de calendário que irá trazer ao professor ou a universidade uma leitura honesta. Esta “imagem” esta enraizada e possui uma forte herança ditatorial, onde será necessário acesso a todos e todas para que ela venha a passar por transformações. Negar o acesso a educação para a maioria dos estudantes diz muito mais sobre a universidade e sobre os professores do que fornece-la para uma pequena parcela de alunos afim de manter o produtivismo.

“Iremos perder o ano de 2020 inteiro”
Entendemos que o momento atual é excepcional, e cuidar de pessoas e suas famílias, preservar a vida e encontrar formas de sobrevivência estão em predominância e precisam estar a frente de quaisquer outras problemáticas. Não estamos perdendo um ano, mas sim a vida do povo brasileiro. Como alternativa, outras atividades poderiam estar sendo ofertadas pela universidade, como DCG’s e ACG’s, que não são disciplinas obrigatórias, podem contemplar parte da comunidade acadêmica, mantém uma rotina de trabalho e estudos, acrescenta no processo de ensino-aprendizagem durante a pandemia e não exclui.

“Garantir a formação para os prováveis formandos para que entrem no mundo do trabalho e ajudem suas famílias em meio a pandemia”
Atribuir um processo de formação precarizado para garantir diploma não necessariamente irá implicar na geração de novos empregos. Sabemos que o mundo do trabalho é cruel e exigente, onde a excelência na formação deve ser prioridade, sem atropelos ou imediatismos que não acrescentam qualidade no processo de formação.

“Não querer trabalhar”
A profissão docente possui imensa importância no processo educacional, e exige de todos comprometimento e responsabilidades. Atividades seguem sendo desenvolvidas, como lives, encontros, orientações, reuniões docentes e da universidade, entre outras. Um retorno seguro e democrático hoje não é impossível e ainda é um desejo de toda categoria.

O ensino remoto para os discentes

     O ensino remoto para alguns, só foi descoberto em 2020. Com um alto índice de vulnerabilidade social, a falta de computadores e sistemas de internet é algo frequente para os discentes. Para muitos, se fosse um pré-requisito a disponibilidade de rede e de eletrônicos, a matrícula não teria sido efetuada. É comum encontrar os espaços como sala de informática, biblioteca e sala de estudos lotadas, devido a necessidade de infraestrutura (que mesmo precária) só a universidade pode oferecer.
         Propor que os discentes que fizeram suas matrículas presenciais estudem de maneira remota, sem considerar a autonomia da classe estudantil e seu direito ao acesso a educação de qualidade, é excluir e é negar direitos de acesso.
      Segundo a discente Tatiana Fraga, aluna de Licenciatura em Ciências Humanas do campus São Borja, representante discente de seu curso e também assessora geral da SESUNIPAMPA, propor este calendário com disciplinas obrigatórias é uma atitude cruel com os mais vulneráveis.
“O que me chama atenção em meio a esta problemática toda é que se criou 2 grupos: eu quero aula e eu não quero aula. Só que isso é ilusório. Todos Queremos estudar e terminar o processo de ensino ao qual estamos inseridos. Mas o atropelo do calendário, junto com a autoridade dele precisou criar um inimigo para sobrepor a crueldade que ele é. O calendário exclui. O calendário gera precarização. O calendário não discutiu com a base sua construção. É quase inacreditável que estejamos passando por isso dentro de uma universidade que é publica, e esta instaurando um calendário como uma patrola, aos moldes do ensino privado, passando por cima de tudo e todos. Defender esse calendário hoje só é possível pra quem entende a universidade a partir da sua bolha, pois ser possível pra mim, não é ser possível para todos.  Precisamos mostrar nossa revolta e nos posicionarmos contrários ao calendário proposto, por uma nova proposta, que considere DCG’s e ACG’s e não oferte disciplinas obrigatórias. Que os bolsistas não sejam penalizados ou cobrados créditos no semestre enquanto não houver garantia de 100% de acesso (internet e computador). Que nenhum de nós fique para trás!” (Tatiana Fraga)

     O adoecimento psíquico por parte dos discentes também não é considerado. Nas pesquisas feitas na primeira etapa do calendário, em nenhum momento foi perguntado se algum discente sofreu perdas na família devido a pandemia, bem como não foram feitas perguntas sobre alimentação, cuidados básicos sanitários, se alguém veio a perder seu emprego ou se teve problemas já existentes potencializados pela pandemia. Para alguns, tais questões não dizem respeito a universidade, o que fomenta o distanciamento da classe trabalhadora dos espaços de ensino, pois não é de interesse considerar condições de vida.




Entrevista da semana
Conversamos com a professora Marina Barbosa Pinto, professora da UFJF do curso de Serviço Social e Presidente da APESJF SSIND sobre educação e ensino remoto, visando alternativas possíveis em um momento pandêmico.

SESUNIPAMPA: O que a pandemia afetou e vai afetar nos processos educativos nas universidades do Brasil?

Marina: “Neste tema, dedicamos as considerações às Universidades Públicas, assim como aos Institutos Federais que são fundamentais na produção, desenvolvimento e disseminação do conhecimento no país apesar das políticas governamentais de pouca valorização e investimento público. O tempo da pandemia tem reafirmado a importância destas instituições públicas com o leque de ações em pesquisa; produção de equipamentos, insumos, atendimento direto à população nas áreas de saúde e assistência e  ampliação das ações de extensão voltadas  para orientar a população para o enfrentamento deste momento tão delicado da vida. E ainda, atuação junto ao poder público  local na definição de estudos estatísticos, perfil epidemiológico e definição de estratégias, incluindo descobertas avançadas sobre a vacina.
Vivemos um momento onde há exigências para mudar o modo de funcionamento das instituições, diante do quadro que alterou a vida em sociedade, pelo menos para parte da população, visto que a maioria da classe trabalhadora segue tendo que, mesmo arriscando a vida, sair de casa para garantir seu sustento. Nas instituições estamos conseguindo manter a estratégia do isolamento como central, realizando, presencialmente somente atividades essenciais. Isso tudo num contexto de cortes impostos pela EC95 e pela redução de investimentos por parte dos órgãos de fomento. Mas há uma questão posta no interior das instituições e também na sociedade, que aparece de forma distorcida. Trata-se da parte da formação diretamente relacionada à sala de aula, às disciplinas que conformam os currículos formativos, parte que se complementa com a pesquisa e a extensão como tripé formativo. Por vezes, somos acusados de não estarmos fazendo nada, como expressam diferentes falas de membros do governo federal, que não estramos trabalhando desde o início da pandemia, isso é uma afirmação distorcida. Estamos fazendo muita coisa, em especial frente à pandemia, em especial porque nosso trabalho não se restringe a sala de aula, mas envolve pesquisa, trabalhos de extensão, produção do conhecimento e questões administrativas. Mas, neste momento em que a  necessidade de isolamento social se estende,  em razão do aumento da curva de contaminação. Não há condições sanitárias que nos permitam ter  segurança de voltar ao modelo de ensino-aprendizagem presencial como central, se utilizando do recuso de atividades à distância como restritamente em caráter  complementar, o que faz com que o governo e reitorias definam que seja adotado um modelo de ensino que é classificado como remoto. Ou seja, as atividades de formação curricular serão ou são realizadas de forma não presencial. Esta alternativa é apresentada como excepcional emergencial para o momento que vivemos, mas ela se coaduna perfeitamente com o projeto de educação que desconfigura o papel social das IES públicas e se coloca a serviço do capital, na medida em que os recurso tecnológicos serão propriedade privada de algum grande conglomerado capitalista. O que é determinado pelo lugar dependente do país na divisão internacional da produção de inovações tecnológicas e gera impedimentos para as instituições acessarem uma “plataforma livre” e a alternativa é se empenhar em fazer valer a produção independente do conhecimento e avançar numa produção própria. No campo da política educacional federal, esse momento de excepcionalidade pode abrir a possibilidade de acelerar e colocar em prática processos que estão sendo gestados e impostos desde o início dos anos 1990 pelos organismos internacionais (Banco Mundial, OMC, Unesco).  O que se verifica é que este modelo está impondo uma alteração brutal no processo de trabalho docente, sem nenhuma preparação,  com arremedos para viabilizar ações formativas e, ao mesmo tempo, pondo em xeque a universalidade das condições de quem acessa , visto que as pesquisas já confirmaram, na maioria esmagadora das IEs,  que a totalidade dos nosso estudantes não tem  condições para tal. Além disso, estamos experimentando ações das administrações que desprezam a democracia no funcionamento das instancias deliberativas para a definição das estratégias. Então o que se tem como tendência é estrangulamento da democracia interna, novo processo de trabalho docente que altera o conceito central do exercício profissional e gera demandas da capacitação e de equipamentos, e a restrição ao numero de pessoas com acesso ao estudo, mesmo já estando  no quadro de estudantes da IES. Pode ser que esse passo emergencial potencialize a o projeto educacional privatista nas instituições publicas e altere seu papel social e sua concepção formativa. Mas se é tendência, ela tem necessariamente, por força de existência uma contra tendência. E esta é forjada na luta coletiva, com a qual temos compromisso histórico. Aqui não cabe se negar o que a realidade apresenta, cabe ler essa realidade, saber decifrar e encontrar meios para manter o essencial do projeto educacional que prima pela formação crítica, com habilidades profissionais específicas, tendo a referência socialmente construída como padrão de qualidade igualitário.”

SESUNIPAMPA: Como avaliar as propostas de ensino remoto que têm sido apresentadas na atualidade pandemia?




Marina: Em primeiro lugar, lembro que muitas destas propostas sequer foram discutidas  nas instituições, o que já gera possibilidade de dar errado. Pois num momento de crise, é importante buscar construir sínteses, e nesta crise, sínteses que defendam a vida e permitam passos de acordo com a tarefa de manter o que é fundamental do projeto de nossas instituições, sem descaracterizá-las, para um tempo pós pandemia, que nem conseguimos ainda visualizar quando chegará, para as universidades públicas brasileiras. Nesse sentido, o diálogo com a comunidade acadêmica e o reconhecimento de sua diversidade e de suas reais condições, não apenas tecnológica, mas subjetivas, é fundamental. Em tempos de distanciamento social, é imperioso encontrar formas de manter a relação com os estudantes, técnico-administrativos em educação e docentes. Mas essa relação se estabelece pelo trabalho e aprendizado feito no cotidiano e hoje estamos num cenário em que a presença está impedida. Sendo assim, encontrar formas para manter o funcionamento essencial da instituição e a relação entre seus sujeitos exige  definir formas que necessariamente serão feitas de modo distanciado. A questão é que está sendo estabelecido o funcionamento total via uma transposição do que existia presencialmente para ao campo do “remoto”. Chama atenção alguns aspectos. Um, o que podemos identificar como uberização da docência, onde toda a estrutura e local de trabalho será de sua responsabilidade. Outro,  a capacitação profissional, que nem será assegurada para formar para o exercício da EaD,  e nem mesmo permitirá  e atuar no que se classifica como Ensino Remoto Emergencial.  E ainda, o processo de controle do trabalho, e o cerceamento à liberdade  de ensinar e aprender.
 Evidente que isso vai gerar conflitos, adoecimento e demandas diferenciadas. O que terá que ser respondido sindical e politicamente, num contexto em que as entidades de classe também estão sendo desafiadas. O risco é com um novo modelo de trabalho se processar o fortalecimento de um projeto de educação privatista para as instituições públicas e, assim rebater, de modo mais duro, o projeto educacional voltado para a emancipação humana, assumindo o ensino como algo que contribui  fortemente para a  transformação social , projeto esse que é objeto de nossa  luta permanentemente.

SESUNIPAMPA: O que seria uma volta alternativa com semestres sem uma oferta regular e qual sua importância?

Marina: “É preciso reconhecer que estamos num momento de transição da e na vida. Não temos como manter ações de antes e redefinir novas que busquem assegurar os resultados das anteriores. É preciso agir de fato para um contexto de transitoriedade. Assim, assegurar o que for essencial, assegurar formandos, assegurar orientações e estudos, realizar atividades acadêmicas complementares. Mas com duas condições: uma, que todos estudantes tenham acesso; e outra, que sejam desenvolvidas com definição de um protocolo pedagógico que objetive assegurar o padrão unitário de qualidade e  respeito ao processo de aprendizagem. Definir como se dará o processo de ensino para determinadas áreas  de conhecimento utilizando as ações desenvolvidas durante a pandemia. Obviamente com as condições de trabalho asseguradas, sem a uberização. Não definir mecanismos de controle e avaliativos nos moldes anteriores. E que as IES se dediquem rapidamente a  construir plataformas próprias e livres. Como base tem que ser assegurado o funcionamento democrático das IES para definir seus processos internos.  Quando da volta presencial, com certeza as IES que conhecemos e ajudamos a construir com nosso trabalho e luta, não serão as mesmas. Caso o modelo o privatista avance e prevaleça, a alteração será estrutural.  Mas, mesmo que o barremos, a hibridez ( ensino remoto e presencial ) deverá ser a  marca do momento pós pandemia nos nossos processos de trabalho e de aprendizagem. E teremos a oportunidade de lutar para conquistar mudanças como o fim de aulas em contêiner, 20 alunos por turma?, falta de infraestrutura das salas de aula, número insuficiente de taes e docentes para a nova estrutura. Enfim, a crise e a luta entre os projetos educacionais, seguirá e  forjará novas possibilidade de pautas e lutas, precisaremos definir táticas que fortaleçam nosso projeto estratégico de educação e de sociedade.


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