quinta-feira, 16 de julho de 2020

O debate sobre o retorno das aulas em tempos pandêmicos: voltamos ao “normal”?


A SESUNIPAMPA conversou com a presidente da Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS, Rúbia Vogt, sobre os impactos da pandemia do coronavírus na comunidade acadêmica e como a proposta de ensino remoto vem trazendo preocupações para as Universidades do Brasil.

   A pandemia da COVID-19 assola nosso país a mais de 3 meses e seus impactos são diversos. Estabelecimentos, instituições, comércio, todos estão buscando alternativas que reduzam os efeitos da pandemia e de alguma forma garantir o funcionamento desses espaços.
  Nas universidades as aulas presenciais foram todas suspensas, e sem previsão de um retorno seguro, algumas aderiram a modalidade de ensino remoto. Na UNIPAMPA, o debate sobre um possível retorno surge de maneira atropelada e recentemente. Com a justificativa de “não perder o ano acadêmico” a reitoria apresentou uma proposta de calendário que não contemplou a comunidade acadêmica, gerando muitos debates em todas as categorias, causando preocupação e aflição aos vulneráveis socialmente, que logo se viram excluídos da proposta.
  Deixando várias lacunas a serem preenchidas, a proposta ainda se encontra em discussão e não foi aprovada pelo CONSUNI, tendo em vista que a categoria docente ainda apresenta muitas questões e exige explicações por parte dos proponentes, pois entende que além da problemática dos discentes possuírem acesso ou não, questões trabalhistas também não foram explicitadas.

Voltamos ao “normal”?

  Mesmo com toda problemática que estamos vivendo, surge em nossa sociedade uma discussão que leva a pensar que estamos entrando em um novo momento, considerado o “novo normal”, como se fosse possível excluirmos a importância da interação social de maneira presencial. As reuniões de trabalho, organização, grupos ou qualquer segmento que se faz necessária discussão em grupo ocorrerem de maneira virtual seria o considerado, “novo normal”. Compras pela internet, seja de insumos de sobrevivência ou utilidades gerais, desconsiderando trabalhadores nesse processo e tornando suas funções desnecessárias, também seria considerado o “novo normal”.
   O que não se discute, e não se considera o novo normal, é o adoecimento das pessoas de maneira geral, enquanto número de mortes pela COVID-19 e enquanto adoecimento psíquico por parte não só dos trabalhadores como de crianças, jovens, adultos e idosos fora dos espaços produtivos de trabalho. A população é afetada e sofre de todas as formas, desde a mãe que esta com seus filhos em casa sem aulas presenciais ou acesso aos materiais de estudos, a própria criança sem o espaço de interação social e aprendizagem, o idoso que hoje limita suas atividades e contatos visando preservar sua vida, os professores (sejam eles do ensino superior ou da educação básica) que estão trabalhando de maneira remota, sem nenhum auxilio dos governos e sem garantia de que seu conteúdo esta chegando aos educandos.
   O novo normal esta sendo considerado dentro de um contexto onde a pandemia não esta contida e onde não há sequer perspectiva de um retorno realmente ao estado de normal, já que o normal é que o povo esteja em segurança, com saúde e tendo acesso a todos os serviços que o Estado deve proporcionar.
   Considerar um retorno das aulas dentro dessa análise, de um falso novo normal, que na prática aliena a população referente a realidade vivenciada hoje, é algo cruel e que fere diretamente a condição humana que deve ser digna. Não é, e não deveria ser um problema que o ano de 2020 seja excluído do calendário acadêmico, pois, não depende da reitoria, dos professores, alunos ou técnicos a contenção da pandemia, e sim, única e exclusivamente dos governos.
  A discussão que deve ser feita no momento, é da ampliação das atividades que os docentes já vem exercendo para a oferta de disciplinas que auxiliem em carga horária complementares, como DCGs e ACGs. Mesmo mantendo uma rotina de trabalho durante a pandemia, o senso comum reproduz que os servidores públicos estão recebendo sem trabalhar, o que é uma falácia. Existem alternativas que podem ser pensadas visando a não exclusão dos vulneráveis socialmente e dos que se encontram em situação de adoecimento. Em meio a perda de entes queridos e do povo brasileiro em geral, impor um retorno das atividades acadêmicas obrigatórias é uma atitude violenta e agressiva para com as pessoas.



Entrevista da semana

   A SESUNIPAMPA conversou com a Rubia Vogt, que é presidente da Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS, e debateu sobre as questões apresentadas acima, buscando ampliar a construção de uma alternativa que não seja excludente e que contemple as Universidades sem precarizar a educação público e o processo de ensino-aprendizado, visando não prejudicar nem discentes e nem docentes durante a execução de seu trabalho.
           
SESUNIPAMPA: O que a pandemia afetou e vai afetar nos processos educativos nas universidades do Brasil?

Rubia: “Penso que a situação que se apresenta para o campo da educação como um todo, independente do nível, etapa, modalidade, é o aprofundamento de desigualdades. Com a suspensão das atividades presenciais, por conta do imperativo do isolamento social para conter o avanço do Coronavírus, atividades de ensino estão sendo mediadas por tecnologias. Não há uma transposição direta entre presencial e digital, e resta saber se esta mudança se traduzirá em aprendizagem. Temos no país um sério problema de acesso ao mundo digital, seja por conta da falta de pacotes de dados ou da limitação deste, seja pela ausência de dispositivos eletrônicos. Na educação básica, temos muitas famílias com apenas um aparelho de celular para atender a todos de casa. Então, crianças e jovens se revezam no uso deste aparelho, que não foi pensando como um dispositivo para estudo. E este mesmo celular ainda é de uso dos adultos, até para fins de trabalho. Na universidade pública, temos de pensar que, junto com as ações afirmativas que aos poucos estão mudando as instituições, precisamos de políticas de permanência: muitos(as) discentes dependem de auxílio para moradia, alimentação, transporte, compra de materiais, etc. Ainda, com a crise econômica e seu aprofundamento na pandemia, muitas famílias dos(as) estudantes perderam suas fontes de renda, o que diminui as chances de poder se dedicar aos estudos, pois muitos(as) jovens e adultos(as) precisam usar seu tempo para buscar uma alternativa para a sobrevivência. A crise sanitária também afeta a rotina, com sobrecarga de trabalho doméstico e situações de adoecimento psíquico. Em meio a este cenário pandêmico, as universidades públicas mais uma vez mostraram sua relevância para a sociedade brasileira. Mesmo com os constantes e aprofundados cortes de verbas, mesmo com as acusações infundadas e ataques vindos do chefe máximo do Ministério da Educação, junto aos(às) servidores(as) as universidades seguiram contribuindo no combate à Covid-19. Por meio da pesquisa e da extensão, as universidades e também os institutos federais seguem atuando promovendo soluções na área da saúde; e não só: todas as áreas estão ativas e contribuindo, como, por exemplo, as pesquisas de ciências humanas que analisam e registram os diversos aspectos da pandemia.”


SESUNIPAMPA: Como avalias as propostas de ensino remoto que tem sido propostas na atualidade pandemia?



Rubia: “Chama a atenção que em poucas semanas se naturalizou um conceito antes bastante desconhecido: o “ensino remoto” e suas variantes lingüísticas. De um lado, temos um desejo muito humano de alguma “normalidade” ao recuperar práticas e rotinas interrompidas pela pandemia, a boa vontade de docentes e técnicos(as); do outro, a questão do aprofundamento das desigualdades, pois quem já tinha dificuldades para estudar, terá ainda mais. Vemos estudantes e também os pais da educação básica preocupados com se perder o semestre, se perder o ano letivo. No entanto, o que está verdadeiramente em jogo é a preservação da vida, a qual, se perdida, não tem volta, diferente da aprendizagem, que se retoma. Vemos algumas instituições que não estão conduzindo os processos de implementação do ensino emergencial de forma democrática, pois estão prescindindo do diálogo e amplo debate com a comunidade acadêmica. Também desconsideram as condições de acesso dos(os) discentes e a precarização do trabalho de técnicos(as) e docentes a partir de suas casas, sem formação em ead – que possui regulamentação e didática própria – e com seus próprios recursos materiais. Outro aspecto que merece atenção é que as propostas de ensino emergencial são uma larga porta aberta para aprofundar a privatização da educação pública. Não se trata de um leilão de transferência, mas da compra de pacotes e plataformas de empresas privadas, as quais, no caso das universidades públicas e institutos federais, ainda terão acesso não só ao ensino, mas também a dados e à produção de conhecimento por meio das pesquisas empreendidas por estas instituições. Gostaria de mencionar também o aumento de casos de invasões a atividades no ambiente educacional digital (palestras, aulas, etc), com ataques racistas, machistas, homofóbicos. Há pouco lutávamos pela preservação de nossas aulas; agora, estamos nos expondo digitalmente sem segurança. Todo o malabarismo lingüístico em torno do ensino remoto, parece, é para evitar que se diga que se trata em muitos casos, de uma EaD precarizada.”

SESUNIPAMPA:     O que seria uma volta alternativa com semestres sem uma oferta regular e qual sua importância?

Rubia: “Não podemos desconsiderar os(as) alunos(as) que podem e que gostariam de manter algum vínculo, nem a vontade de técnicos(as) e professores(as) em retomar as atividades de ensino. Por outro lado, não podemos proporcionar uma continuidade para alguns, deixando tantos(as) outros(as) para trás, acentuando desigualdades por meio da educação. Aliás, mesmo dentro do grupo de estudantes que têm condições de acesso ao ensino remoto, é preciso atenção a casos específicos, às questões de gênero, por exemplo. As alunas mães (assim como técnicas e professoras) têm demandas próprias no ambiente acadêmico, que se agudizam na quarentena e necessitam de atenção especial. Acredito que os(as) formandos(as) também merecem um outro olhar neste momento, diante da possibilidade de conclusão de curso. Então, além da atenção a cada discente, podemos pensar em disciplinas eletivas, em atividades de pesquisa e de extensão, em projetos voltados para o contexto da pandemia; em serviços prestados à população em geral. A suspensão das atividades presenciais nas universidades e institutos federais não parou estas instituições. Seguimos ativos e atuantes.”

Fortaleça a luta sindical e a SESUNIPAMPA na defesa da categoria docente, filie-se!

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