Em
meio à pandemia do coronavírus e a proposta de ensino remoto na universidade
pública, a SESUNIPAMPA pensa os impactos da alternativa apresentada em uma
realidade acadêmica que não permite acesso a todos os discentes ou garantia de
direitos trabalhistas aos docentes. Conversamos com a professora Marina Barbosa Pinto,
presidente da APESJF SSIND sobre educação e alternativas possíveis em um
momento pandêmico.
A polarização do debate sobre voltar
ou não voltar às aulas na UNIPAMPA tem tomado grandes proporções no âmbito
acadêmico. Assunto de interesse de todos e todas, as discussões sobre ensino
remoto e a forma de implantação por parte da reitoria são as principais
questões levantadas.
A preocupação se refere as garantias
de acesso aos discentes e as condições trabalhistas dos docentes, por exemplo,
todos os docentes possuem em sua residência infraestrutura para o trabalho
remoto? todos e todas querem um retorno das atividades acadêmicas, mas que elas
não sejam excludentes, segregatórias, autoritárias e sem considerar as
condições de trabalho da categoria docente.
A UNIPAMPA possui uma comunidade
acadêmica variada, e por ser multicampi, precisa compreender as distintas
realidades e proporções. A vulnerabilidade social por parte dos estudantes
apresenta índices elevados, mesmo contando com a disponibilidade do auxilio
permanência.
O retorno das atividades precisa ser
pensado e construído coletivamente, encontrando soluções e alternativas que não
causem danos a comunidade acadêmica e que contemple os critérios de educação
pública ao qual os discentes fizeram suas matrículas e ao qual os docentes
prestam seus serviços.
Pensando
o ensino remoto
Pensar o ensino remoto não é uma
tarefa simplória, e atrelado ao contexto pandêmico que estamos inseridos, se
torna ainda mais delicado. É preciso entender este processo a partir de duas
perspectivas (docente e discente) e considerar as condições reais da comunidade
acadêmica.
Enquanto categoria docente seria
inocência não pensar as questões trabalhistas que estarão envoltas nesta
problemática. Todos os docentes possuem em sua residência infraestrutura para o
trabalho remoto? Isto é, internet de qualidade, espaço próprio para o
desenvolvimento do trabalho, sem interferência dos demais familiares que ali
residem? Estas questões precisam ser levantadas, pois permitir que o trabalho
adentre o ambiente que seria de descanso, relaxamento e acima de tudo o espaço
particular de cada sujeito, que interfere diretamente na qualidade de vida e
saúde psíquica.
Considerar também, que as aulas
online são um risco a categoria é necessário. O uso indevido da imagem dos
docentes não foi discutido com a base, onde nenhuma garantia de que as aulas
não serão gravadas ou utilizadas de maneira posterior a pandemia foram
garantidas. Sabendo que muitos serão excluídos na atual proposta de calendário,
não é possível saber se as mesmas aulas não serão utilizadas para suprir as
lacunas deixadas devido ao atropelo do processo e a displicência para com os
que não terão o privilégio de ter acesso a educação dentro dessas condições.
Alguns
argumentos utilizados para afirmar uma proposta excludente:
“A imagem que a sociedade
tem da Universidade e do professor”
Considerando
que a leitura que a sociedade faz tanto do professor quanto da universidade, é
oriunda do senso comum e de uma sociedade que mesmo possuindo acesso a
educação, não possui acesso a educação popular e de massas, a cultura e ao
lazer de maneira democrática, não será este momento, e também não será esta
proposta de calendário que irá trazer ao professor ou a universidade uma
leitura honesta. Esta “imagem” esta enraizada e possui uma forte herança
ditatorial, onde será necessário acesso a todos e todas para que ela venha a
passar por transformações. Negar o acesso a educação para a maioria dos
estudantes diz muito mais sobre a universidade e sobre os professores do que
fornece-la para uma pequena parcela de alunos afim de manter o produtivismo.
“Iremos perder o ano de 2020
inteiro”
Entendemos
que o momento atual é excepcional, e cuidar de pessoas e suas famílias,
preservar a vida e encontrar formas de sobrevivência estão em predominância e
precisam estar a frente de quaisquer outras problemáticas. Não estamos perdendo
um ano, mas sim a vida do povo brasileiro. Como alternativa, outras atividades
poderiam estar sendo ofertadas pela universidade, como DCG’s e ACG’s, que não
são disciplinas obrigatórias, podem contemplar parte da comunidade acadêmica,
mantém uma rotina de trabalho e estudos, acrescenta no processo de
ensino-aprendizagem durante a pandemia e não exclui.
“Garantir a formação para os
prováveis formandos para que entrem no mundo do trabalho e ajudem suas famílias
em meio a pandemia”
Atribuir
um processo de formação precarizado para garantir diploma não necessariamente
irá implicar na geração de novos empregos. Sabemos que o mundo do trabalho é
cruel e exigente, onde a excelência na formação deve ser prioridade, sem
atropelos ou imediatismos que não acrescentam qualidade no processo de
formação.
“Não querer trabalhar”
A
profissão docente possui imensa importância no processo educacional, e exige de
todos comprometimento e responsabilidades. Atividades seguem sendo
desenvolvidas, como lives, encontros, orientações, reuniões docentes e da
universidade, entre outras. Um retorno seguro e democrático hoje não é
impossível e ainda é um desejo de toda categoria.
O
ensino remoto para os discentes
O ensino remoto para alguns, só foi
descoberto em 2020. Com um alto índice de vulnerabilidade social, a falta de
computadores e sistemas de internet é algo frequente para os discentes. Para
muitos, se fosse um pré-requisito a disponibilidade de rede e de eletrônicos, a
matrícula não teria sido efetuada. É comum encontrar os espaços como sala de
informática, biblioteca e sala de estudos lotadas, devido a necessidade de
infraestrutura (que mesmo precária) só a universidade pode oferecer.
Propor que os discentes que fizeram
suas matrículas presenciais estudem de maneira remota, sem considerar a
autonomia da classe estudantil e seu direito ao acesso a educação de qualidade,
é excluir e é negar direitos de acesso.
Segundo a discente Tatiana Fraga,
aluna de Licenciatura em Ciências Humanas do campus São Borja, representante
discente de seu curso e também assessora geral da SESUNIPAMPA, propor este
calendário com disciplinas obrigatórias é uma atitude cruel com os mais
vulneráveis.
“O que me chama atenção em
meio a esta problemática toda é que se criou 2 grupos: eu quero aula e eu não
quero aula. Só que isso é ilusório. Todos Queremos estudar e terminar o
processo de ensino ao qual estamos inseridos. Mas o atropelo do calendário,
junto com a autoridade dele precisou criar um inimigo para sobrepor a crueldade
que ele é. O calendário exclui. O calendário gera precarização. O calendário
não discutiu com a base sua construção. É quase inacreditável que estejamos
passando por isso dentro de uma universidade que é publica, e esta instaurando
um calendário como uma patrola, aos moldes do ensino privado, passando por cima
de tudo e todos. Defender esse calendário hoje só é possível pra quem entende a
universidade a partir da sua bolha, pois ser possível pra mim, não é ser possível
para todos. Precisamos mostrar nossa revolta
e nos posicionarmos contrários ao calendário proposto, por uma nova proposta,
que considere DCG’s e ACG’s e não oferte disciplinas obrigatórias. Que os
bolsistas não sejam penalizados ou cobrados créditos no semestre enquanto não
houver garantia de 100% de acesso (internet e computador). Que nenhum de nós
fique para trás!” (Tatiana Fraga)
O adoecimento psíquico por parte dos
discentes também não é considerado. Nas pesquisas feitas na primeira etapa do
calendário, em nenhum momento foi perguntado se algum discente sofreu perdas na
família devido a pandemia, bem como não foram feitas perguntas sobre
alimentação, cuidados básicos sanitários, se alguém veio a perder seu emprego
ou se teve problemas já existentes potencializados pela pandemia. Para alguns,
tais questões não dizem respeito a universidade, o que fomenta o distanciamento
da classe trabalhadora dos espaços de ensino, pois não é de interesse
considerar condições de vida.
Entrevista
da semana
Conversamos
com a professora Marina Barbosa Pinto, professora da UFJF do curso de Serviço
Social e Presidente da APESJF SSIND sobre educação e ensino remoto, visando
alternativas possíveis em um momento pandêmico.
SESUNIPAMPA:
O
que a pandemia afetou e vai afetar nos processos educativos nas universidades
do Brasil?
Marina: “Neste
tema, dedicamos as considerações às Universidades Públicas, assim como aos Institutos
Federais que são fundamentais na produção, desenvolvimento e disseminação do
conhecimento no país apesar das políticas governamentais de pouca valorização e
investimento público. O tempo da pandemia tem reafirmado a importância destas
instituições públicas com o leque de ações em pesquisa; produção de
equipamentos, insumos, atendimento direto à população nas áreas de saúde e
assistência e ampliação das ações de
extensão voltadas para orientar a
população para o enfrentamento deste momento tão delicado da vida. E ainda,
atuação junto ao poder público local na
definição de estudos estatísticos, perfil epidemiológico e definição de
estratégias, incluindo descobertas avançadas sobre a vacina.
Vivemos
um momento onde há exigências para mudar o modo de funcionamento das
instituições, diante do quadro que alterou a vida em sociedade, pelo menos para
parte da população, visto que a maioria da classe trabalhadora segue tendo que,
mesmo arriscando a vida, sair de casa para garantir seu sustento. Nas instituições
estamos conseguindo manter a estratégia do isolamento como central, realizando,
presencialmente somente atividades essenciais. Isso tudo num contexto de cortes
impostos pela EC95 e pela redução de investimentos por parte dos órgãos de
fomento. Mas há uma questão posta no interior das instituições e também na
sociedade, que aparece de forma distorcida. Trata-se da parte da formação
diretamente relacionada à sala de aula, às disciplinas que conformam os
currículos formativos, parte que se complementa com a pesquisa e a extensão
como tripé formativo. Por vezes, somos acusados de não estarmos fazendo nada,
como expressam diferentes falas de membros do governo federal, que não estramos
trabalhando desde o início da pandemia, isso é uma afirmação distorcida.
Estamos fazendo muita coisa, em especial frente à pandemia, em especial porque
nosso trabalho não se restringe a sala de aula, mas envolve pesquisa, trabalhos
de extensão, produção do conhecimento e questões administrativas. Mas, neste
momento em que a necessidade de
isolamento social se estende, em razão
do aumento da curva de contaminação. Não há condições sanitárias que nos
permitam ter segurança de voltar ao
modelo de ensino-aprendizagem presencial como central, se utilizando do recuso
de atividades à distância como restritamente em caráter complementar, o que faz com que o governo e
reitorias definam que seja adotado um modelo de ensino que é classificado como
remoto. Ou seja, as atividades de formação curricular serão ou são realizadas
de forma não presencial. Esta alternativa é apresentada como excepcional
emergencial para o momento que vivemos, mas ela se coaduna perfeitamente com o
projeto de educação que desconfigura o papel social das IES públicas e se
coloca a serviço do capital, na medida em que os recurso tecnológicos serão
propriedade privada de algum grande conglomerado capitalista. O que é
determinado pelo lugar dependente do país na divisão internacional da produção
de inovações tecnológicas e gera impedimentos para as instituições acessarem
uma “plataforma livre” e a alternativa é se empenhar em fazer valer a produção
independente do conhecimento e avançar numa produção própria. No campo da política
educacional federal, esse momento de excepcionalidade pode abrir a
possibilidade de acelerar e colocar em prática processos que estão sendo
gestados e impostos desde o início dos anos 1990 pelos organismos
internacionais (Banco Mundial, OMC, Unesco). O que se verifica é que este modelo está
impondo uma alteração brutal no processo de trabalho docente, sem nenhuma
preparação, com arremedos para
viabilizar ações formativas e, ao mesmo tempo, pondo em xeque a universalidade
das condições de quem acessa , visto que as pesquisas já confirmaram, na
maioria esmagadora das IEs, que a
totalidade dos nosso estudantes não tem
condições para tal. Além disso, estamos experimentando ações das
administrações que desprezam a democracia no funcionamento das instancias
deliberativas para a definição das estratégias. Então o que se tem como
tendência é estrangulamento da democracia interna, novo processo de trabalho
docente que altera o conceito central do exercício profissional e gera demandas
da capacitação e de equipamentos, e a restrição ao numero de pessoas com acesso
ao estudo, mesmo já estando no quadro de
estudantes da IES. Pode ser que esse passo emergencial potencialize a o projeto
educacional privatista nas instituições publicas e altere seu papel social e sua
concepção formativa. Mas se é tendência, ela tem necessariamente, por força de
existência uma contra tendência. E esta é forjada na luta coletiva, com a qual
temos compromisso histórico. Aqui não cabe se negar o que a realidade
apresenta, cabe ler essa realidade, saber decifrar e encontrar meios para
manter o essencial do projeto educacional que prima pela formação crítica, com
habilidades profissionais específicas, tendo a referência socialmente
construída como padrão de qualidade igualitário.”
SESUNIPAMPA:
Como avaliar as propostas de ensino remoto que têm sido apresentadas na
atualidade pandemia?
Marina: Em
primeiro lugar, lembro que muitas destas propostas sequer foram discutidas nas instituições, o que já gera possibilidade
de dar errado. Pois num momento de crise, é importante buscar construir
sínteses, e nesta crise, sínteses que defendam a vida e permitam passos de
acordo com a tarefa de manter o que é fundamental do projeto de nossas
instituições, sem descaracterizá-las, para um tempo pós pandemia, que nem
conseguimos ainda visualizar quando chegará, para as universidades públicas
brasileiras. Nesse sentido, o diálogo com a comunidade acadêmica e o
reconhecimento de sua diversidade e de suas reais condições, não apenas
tecnológica, mas subjetivas, é fundamental. Em tempos de distanciamento social,
é imperioso encontrar formas de manter a relação com os estudantes,
técnico-administrativos em educação e docentes. Mas essa relação se estabelece
pelo trabalho e aprendizado feito no cotidiano e hoje estamos num cenário em
que a presença está impedida. Sendo assim, encontrar formas para manter o
funcionamento essencial da instituição e a relação entre seus sujeitos
exige definir formas que necessariamente
serão feitas de modo distanciado. A questão é que está sendo estabelecido o
funcionamento total via uma transposição do que existia presencialmente para ao
campo do “remoto”. Chama atenção alguns aspectos. Um, o que podemos identificar
como uberização da docência, onde toda a estrutura e local de trabalho será de
sua responsabilidade. Outro, a
capacitação profissional, que nem será assegurada para formar para o exercício
da EaD, e nem mesmo permitirá e atuar no que se classifica como Ensino
Remoto Emergencial. E ainda, o processo
de controle do trabalho, e o cerceamento à liberdade de ensinar e aprender.
Evidente que isso vai gerar conflitos,
adoecimento e demandas diferenciadas. O que terá que ser respondido sindical e
politicamente, num contexto em que as entidades de classe também estão sendo desafiadas.
O risco é com um novo modelo de trabalho se processar o fortalecimento de um
projeto de educação privatista para as instituições públicas e, assim rebater,
de modo mais duro, o projeto educacional voltado para a emancipação humana,
assumindo o ensino como algo que contribui
fortemente para a transformação
social , projeto esse que é objeto de nossa
luta permanentemente.
SESUNIPAMPA: O
que seria uma volta alternativa com semestres sem uma oferta regular e qual sua
importância?
Marina: “É
preciso reconhecer que estamos num momento de transição da e na vida. Não temos
como manter ações de antes e redefinir novas que busquem assegurar os
resultados das anteriores. É preciso agir de fato para um contexto de transitoriedade.
Assim, assegurar o que for essencial, assegurar formandos, assegurar
orientações e estudos, realizar atividades acadêmicas complementares. Mas com
duas condições: uma, que todos estudantes tenham acesso; e outra, que sejam
desenvolvidas com definição de um protocolo pedagógico que objetive assegurar o
padrão unitário de qualidade e respeito
ao processo de aprendizagem. Definir como se dará o processo de ensino para
determinadas áreas de conhecimento
utilizando as ações desenvolvidas durante a pandemia. Obviamente com as
condições de trabalho asseguradas, sem a uberização. Não definir mecanismos de
controle e avaliativos nos moldes anteriores. E que as IES se dediquem
rapidamente a construir plataformas
próprias e livres. Como base tem que ser assegurado o funcionamento democrático
das IES para definir seus processos internos.
Quando da volta presencial, com certeza as IES que conhecemos e ajudamos
a construir com nosso trabalho e luta, não serão as mesmas. Caso o modelo o
privatista avance e prevaleça, a alteração será estrutural. Mas, mesmo que o barremos, a hibridez (
ensino remoto e presencial ) deverá ser a
marca do momento pós pandemia nos nossos processos de trabalho e de
aprendizagem. E teremos a oportunidade de lutar para conquistar mudanças como o
fim de aulas em contêiner, 20 alunos por turma?, falta de infraestrutura das salas
de aula, número insuficiente de taes e docentes para a nova estrutura. Enfim, a
crise e a luta entre os projetos educacionais, seguirá e forjará novas possibilidade de pautas e
lutas, precisaremos definir táticas que fortaleçam nosso projeto estratégico de
educação e de sociedade.